Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram aumento de feminicídios e outros crimes contra mulheres, mesmo com promessas de proteção do governo federal
O Brasil registrou em 2024 o maior número de feminicídios desde que a lei específica foi criada, em 2015. De acordo com a 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada no fim de julho, 1.492 mulheres foram assassinadas, alta de 0,7% em relação a 2023. Outros crimes contra mulheres também cresceram: stalking (+18,2%), violência psicológica (+6,3%) e tentativa de feminicídio (+19%).
Os números revelam a dificuldade do governo Lula em proteger a população feminina, mesmo após o presidente ter destacado a segurança das mulheres como prioridade na campanha de 2022 e prometido ações concretas, como equidade salarial e maior presença feminina em cargos estratégicos.
Crimes sexuais, incluindo estupro, estupro de vulnerável, assédio sexual, importunação sexual e pornografia, também registraram aumento, repetindo a tendência de 2023. Naquele ano, foram contabilizados 1.463 feminicídios, o maior número desde a criação da lei.
Para Luiz Fernando Ramos Aguiar, especialista em segurança pública e tenente-coronel da PMDF, a ineficiência do governo federal no combate à criminalidade vai além da questão de gênero.
“Não existe, por parte do governo federal, nenhuma iniciativa significativa no combate à criminalidade. E os casos de violência contra mulheres são apenas um reflexo disso. O foco do governo, no campo da segurança pública, tem sido essencialmente político, como, por exemplo, a insistência na PEC da segurança pública”, afirmou.
A PEC mencionada visa reestruturar o sistema de segurança, mas enfrenta críticas por limitar a autonomia dos estados e reduzir a eficiência das forças policiais.
Do discurso à prática
Em 2022, duas semanas antes do segundo turno, Lula prometeu:
“Nós vamos ser muito duros no combate à violência contra a mulher”. Ao longo do mandato, manteve declarações de combate à violência de gênero, mas episódios como seu comentário sobre aumento da violência após jogos de futebol, “Se o cara é corinthiano, tudo bem”, mostraram desconexão com a realidade.
O governo criou o Ministério das Mulheres nos primeiros dias de gestão, mas a pasta gerou mais problemas do que resultados efetivos. A ministra Cida Gonçalves foi exonerada em maio após denúncias de assédio moral, e Márcia Lopes assumiu o cargo.
Programas como Mulher Viver sem Violência, lançado em março de 2023, buscaram reforçar a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) e criar unidades móveis em áreas sem serviço especializado. Outra iniciativa, o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, tinha como objetivo “prevenir todas as formas de discriminação, misoginia e violência de gênero contra mulheres e meninas”. Apesar disso, especialistas afirmam que as ações não reduziram os índices de violência.
Fabricio Rebelo, jurista e coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), avalia que essas medidas são assistencialistas e voltadas apenas para o pós-agressão.
“Faltam, por exemplo, ações que realmente permitam à mulher se proteger, como acesso a meios eficazes para se defender de agressões, especialmente crimes comuns”, disse.
O tenente-coronel Luiz Fernando Aguiar acrescenta:
“São programas com nomes bonitos e efetividade duvidosa, mais alinhados à ala ideológica do governo do que a resultados concretos na segurança”.
Desculpas e narrativas
Em vez de assumir responsabilidade pelos altos índices, integrantes do governo associam a violência às políticas armamentistas do período Bolsonaro. A primeira-dama Janja da Silva chegou a afirmar que o aumento de feminicídios teria relação direta com a “banalização” do porte de armas, enquanto a ex-ministra Cida Gonçalves afirmou que, seis anos atrás, a maioria das mortes era causada por armas brancas.
Mesmo após a redução de 82% nos registros de novas armas em agosto de 2023, a narrativa se manteve, segundo especialistas, como uma cortina de fumaça para justificar a inação do governo.
“O atual governo já está em seu terceiro ano, tempo suficiente para ter revertido políticas falhas. Ou se omitiu, permitindo que medidas ineficientes continuassem, ou não conseguiu implementar estratégias eficazes para proteger a mulher”, afirma Aguiar.
Congresso e resistência à punição
No Legislativo, o PT também se opõe a medidas que poderiam endurecer penas e responsabilizar agressores. O PL 1.112/2023, aprovado na Câmara, exige cumprimento de 80% da pena em regime fechado para crimes hediondos, mas recebeu voto contrário da maioria do partido.
Outra proposta, a castração química voluntária para condenados por estupro e o aumento das penas para crimes sexuais contra crianças e adolescentes, enfrenta resistência similar.
“O recado do governo é favorável à criminalidade e à marginalidade. Não há ação relevante para reduzir crimes ou investir em polícia”, avalia o sociólogo Eduardo Matos de Alencar.
Entre discursos retóricos, programas assistencialistas e bloqueio a medidas duras no Congresso, a violência contra a mulher segue em alta, expondo a fragilidade das políticas do governo federal na área.


























