Presidente da Câmara vê escalada de insatisfação com Lula e acena à base bolsonarista ao avaliar nome de deputado combativo para comandar investigação sobre desvios no INSS
A temperatura entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto subiu mais um grau nos últimos dias — e a resposta começa a ganhar corpo na escolha de cargos estratégicos. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), passou a considerar o nome de Nikolas Ferreira (PL-MG) como relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigará os desvios no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A possibilidade, tratada inicialmente como uma provocação política, já circula com força entre aliados. Fontes próximas a Motta confirmaram que a indicação do parlamentar mineiro está sendo discutida como recado direto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após semanas de desgaste entre o Legislativo e o Executivo.
“Quem alimenta o ‘nós contra eles’ acaba governando contra todos”, disse o presidente da Câmara nesta segunda-feira (30), ao comentar a retórica petista sobre a derrota do governo no Congresso. “A Câmara, com 383 votos de deputados de esquerda, de direita, decidiu derrubar um aumento de imposto sobre o IOF, o imposto que afeta toda a cadeia econômica.”
A fala de Motta foi uma reação direta ao vídeo divulgado no domingo (29) pelo Partido dos Trabalhadores, em que a legenda tenta reverter o revés político classificando a derrubada do decreto do IOF como uma “vitória dos pobres contra os ricos”. A peça de comunicação irritou parlamentares de diversos partidos — inclusive da base governista.
A derrota foi massiva: o decreto de Lula, que previa aumento do IOF sobre operações de crédito, caiu por 383 votos contra 98. Um recado claro do Congresso: a paciência com o voluntarismo econômico do Planalto está perto do fim.
Nikolas em cena: mais que simbólico
A possível escolha de Nikolas Ferreira não é apenas simbólica. O deputado mineiro é hoje o nome mais popular da direita no Congresso — sua atuação nas redes sociais mobiliza milhões. Só um de seus vídeos, criticando as propostas do ministro Fernando Haddad (Fazenda) sobre fiscalização tributária, ultrapassou 300 milhões de visualizações. O alcance transformou Nikolas em peça-chave da oposição ao governo, sobretudo entre os eleitores mais jovens e ativos digitalmente.
Caso confirmado, o nome de Nikolas marcaria uma mudança de rumo. Inicialmente, Motta cogitava indicar um nome técnico do Centrão para a relatoria da CPMI. A mudança de postura reflete o incômodo acumulado. Não apenas com o conteúdo das medidas do governo, mas com a forma — considerada arrogante por parlamentares ouvidos pela reportagem.
Outros nomes também passaram a circular nas articulações. Um deles é o do deputado Evair de Melo (PP-ES), autor do requerimento que visa assegurar a continuidade do mandato de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), mesmo com o parlamentar residindo nos Estados Unidos. A base bolsonarista, embora fora do governo, começa a ocupar espaços com habilidade no vácuo deixado pelo Planalto.
Enquanto isso, Lula parece hesitar. O Planalto não recuou publicamente nem mesmo após derrotas acachapantes. A tentativa de reconstruir o discurso ideológico — com a velha divisão entre pobres e ricos — soa, para muitos congressistas, como uma provocação.
Nos bastidores, a avaliação é que a escolha do relator da CPMI do INSS será um teste importante: não apenas para medir o pulso político do Congresso, mas também para avaliar até onde vai a disposição do governo em dialogar com quem realmente comanda as pautas — e as consequências de quando ignora isso.