Falhas de gestão, dívidas tributárias e atrasos a médicos expõem a grave crise financeira da instituição
O Hospital Vila Velha, uma das mais tradicionais unidades de saúde privada da Grande Vitória, atravessa a pior crise de sua história. Documentos apresentados na “2ª Assembleia Geral Extraordinária”, realizada em 13 de agosto de 2025, revelaram um cenário alarmante: “A instituição acumula mais de R$ 125 milhões em dívidas, entre tributos, fornecedores, bancos e prestadores de serviço, incluindo médicos que atuaram por anos sem receber”.
Um histórico de decisões equivocadas
O endividamento do hospital não é recente, mas se agravou após 2017, na gestão do Dr. Dejair Xavier Cordeiro, diretor-presidente da época que decidiu ampliar a estrutura física utilizando recursos que deveriam ter sido destinados ao pagamento de impostos e obrigações trabalhistas. A expansão, que pretendia consolidar o crescimento, acabou mergulhando o hospital em um ciclo contínuo de dívidas.
De acordo com o relatório, a primeira grande dívida fiscal foi gerada até 2014, sendo posteriormente parcelada no programa Refis Copa, com previsão de quitação apenas em 2029. O passivo, porém, explodiu entre 2019 e 2020, quando as dívidas com fornecedores e médicos aumentaram R$ 6,9 milhões e a dívida tributária saltou R$ 15 milhões, comprometendo a sustentabilidade financeira da instituição.
Fator Pandemia e má gestão: “A combinação que agravou o colapso”
Durante a pandemia de COVID-19, entre 2020 e 2022, a queda no número de atendimentos e o aumento expressivo dos custos hospitalares deterioraram ainda mais o caixa da instituição. O problema, contudo, não se limitou à crise sanitária: “A administração adotou como prática postergar o pagamento de tributos e fornecedores para manter a operação, o que ampliou o passivo e gerou desequilíbrio estrutural”.
Segundo o relatório, parte dos valores retidos de impostos e encargos previdenciários foi utilizada para cobrir despesas correntes, uma manobra que, embora tenha garantido fôlego temporário, pode configurar irregularidades tributárias graves, alargando o prejuízo e a inviabilidade de serviços essenciais.
Médicos e energia elétrica: “os credores esquecidos”
A crise atingiu diretamente os profissionais de saúde. Médicos que prestaram serviços de 2019 a julho de 2024 tiveram o pagamento suspenso sem autorização para emitir notas fiscais, acumulando um débito de R$ 7,8 milhões. O pagamento foi retomado apenas em setembro de 2024, após cinco anos de inadimplência, prejudicando equipes inteiras de trabalho.
Outro problema grave envolve o fornecimento de energia elétrica: O hospital não paga a EDP desde 2021, somando R$ 13 milhões em débitos e respondendo a ações judiciais movidas pela concessionária, uma péssima marca para instituição.
Suspensão de tributos e tentativa de renegociação
Em setembro de 2024, diante do risco de colapso total, a administração suspendeu o pagamento dos parcelamentos fiscais ordinários, que somavam R$ 2,2 milhões mensais, priorizando despesas imediatas que também já estavam fora de controle, como folha salarial e fornecedores, forçando a gestão a recorrer à Lei 13.988/2020, uma medida emergencial para solicitar uma “Transação Fiscal Individual”, mecanismo que permite negociar diretamente com a União, com descontos de até 90% em juros e multas e prazos de pagamento de até 120 meses.
Enquanto tenta se reerguer, o hospital mantém em dia apenas tributos considerados de risco imediato, como ISS e FGTS, enquanto INSS, IRRF, PIS, COFINS, IRPJ e CSLL estão com pagamentos suspensos.
Passivos judiciais e crise de credibilidade
Além das dívidas tributárias e com fornecedores, o Hospital Vila Velha enfrenta contingências judiciais que ultrapassam R$ 23 milhões, incluindo uma ação movida pela própria EDP Energia (R$ 12 milhões) e outra do Sindicato dos Trabalhadores na Saúde Privado do Espírito Santo (Sintrasades), no valor de R$ 11 milhões.
Somando os débitos fiscais, bancários e trabalhistas, o passivo global da instituição já ultrapassa R$ 150 milhões, segundo os dados apresentados na assembleia. Mesmo com o apoio de consultorias externas e um plano de reestruturação em andamento, a receita continua insuficiente para equilibrar as contas.
O Conselho de Administração, presidido por Maurício Serrano Nascimento, admite que “o fluxo de caixa continua sendo o principal desafio” e que medidas mais duras poderão ser adotadas para salvar a instituição, o que dependerá de novas deliberações dos acionistas.
Um retrato de um hospital em crise
O caso do Hospital Vila Velha é um retrato de como decisões administrativas equivocadas, falta de transparência e endividamento progressivo podem comprometer uma instituição de referência. Enquanto médicos e fornecedores aguardam regularização de pagamentos, o hospital tenta sobreviver por meio de manobras fiscais e renegociações de última hora.
Com parte das dívidas judicializadas e o risco de novas execuções, o futuro do hospital dependerá da efetividade da transação fiscal e da capacidade de gestão dos atuais administradores em restaurar a confiança de credores e colaboradores, um trabalho que exigirá tempo e paciência de quem depende dos serviços médicos do Hospital Vila Velha.