Ao assumir a presidência em 10 de dezembro de 2023, Javier Milei herdou uma inflação na Argentina que havia ultrapassado 200% nos últimos 12 meses. Em novembro, os preços haviam registrado um aumento de pouco mais de 160%.
Em abril, a inflação acumulada atingiu 289,4%. No entanto, a tendência vem sendo de redução, com abril marcando a quarta queda consecutiva, registrando 8,8% em comparação aos 11% de março.
Segundo analistas consultados, o “tratamento de choque” sugerido pelo novo presidente durante a campanha está colocando o país na “direção certa” para estabilizar a economia.
“O governo Milei entendeu que a Argentina estava em uma situação macroeconômica muito complicada”, comenta Camilo Tiscornia, professor de macroeconomia na Pontifícia Universidade Católica da Argentina.
O ponto crucial que precisou ser ajustado, ou neste caso, o recurso que precisou ser cortado, referia-se aos gastos públicos.
No momento da posse, o governo argentino enfrentava um déficit primário de quase 3% do Produto Interno Bruto (PIB).
“Por trás do grande problema de inflação da Argentina está o permanente déficit fiscal. Então, eliminá-lo, como está fazendo o governo atual, é um passo na direção correta”, avalia Tiscornia.
O tratamento de choque começou imediatamente após a posse. O corte de investimentos na indústria e no comércio, a revogação de leis ambientais e a promoção de políticas que facilitem a privatização de estatais foram algumas das medidas do “decretaço” de Milei.
Além disso, os subsídios para os setores de gás, eletricidade, combustíveis e transporte público foram reduzidos.
Em março, ocorreu o resultado esperado: o governo argentino teve seu primeiro superávit trimestral desde 2008, com caixa de 275 bilhões de pesos por mês.
“A inflação caiu porque o gasto público caiu. A gente tem uma redução tremenda no gasto, ou seja, a demanda do estado hoje é muito menor”, aponta Mauro Rochlin, economista e professor da FGV.
“Acho que o país caminha na direção certa uma vez que a gente tem uma redução muito acentuada da inflação”, reforça.
A economia do país, por outro lado, vem recuando. A queda de 8,4% em março na comparação com fevereiro foi o quinto mês consecutivo.
Tiscornia explica que o movimento era esperado, pois as medidas iniciais de Milei para controlar a inflação desacelerariam a economia.
No entanto, ele enfatiza que “o caminho é o superávit” para reiniciar a economia e permitir a circulação de crédito no país.
“Ainda tem muito o que ser feito para poder recuperar a economia argentina, mas isso começa a dar bons olhos para o mundo”, avalia Jefferson Laatus, estrategista-chefe da consultoria Laatus.
As medidas do governo sobre o câmbio são o foco principal do analista. A desvalorização de quase 50% do peso em relação ao dólar foi divulgada em dezembro.
Acabar com as amarras e preços econômicos artificiais era uma das promessas de Milei. Entre elas, o câmbio artificialmente regulado pelo governo. Após uma rápida perda de valor, as cotações passaram a mostrar alguma estabilidade do câmbio, o que ajudou a controlar a inflação.
“O processo [de controle da inflação] é tido como positivo e vem colocando novamente a Argentina como um possível futuro investimento pros grandes investidores”, aponta Laatus.
Desde que Milei assumiu a presidência, o índice S&P Merval, que serve como referência para a bolsa de valores argentina, subiu mais de 70%, atingindo 1.659.247,63 pontos nesta segunda-feira (3).
“Todos os bancos internacionais e, principalmente, os grandes capitais internos na Argentina, apoiam ruidosamente essa proposta de Milei. Ela é aplaudida pelos bancos externos porque eles veem um movimento que vai lhes garantir o pagamento dos valores já emprestados”, pondera Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM.
Em fevereiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) descreveu o plano de estabilização econômica de Milei para a Argentina como “ousado” e “muito mais ambicioso” em comparação com os dos governos anteriores.
“A forte apropriação por parte das autoridades e o compromisso eleitoral para eliminar os déficits fiscais e os impedimentos de longa data ao crescimento (muitos deles beneficiando interesses particulares) atenuam os riscos de implementação”, disse o Fundo em um relatório técnico sobre a Argentina.
Os economistas, no entanto, admitem que, apesar dos sinais de melhora, a situação requer cautela devido à incerteza sobre sua sustentabilidade.
“A dúvida hoje é se esse choque fiscal vai se manter, uma vez que o impacto social é muito grande”, ressalta Rochlin.
O economista da FGV destaca que a reforma não apenas reduz a inflação, mas também provoca um “aumento das tensões sociais”.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC) da Argentina, no final de 2023, 41,7% da população do país vivia em situação de pobreza.
Seja como for, um relatório da Universidade Católica da Argentina diz que a pobreza na Argentina atingiu 57,4% em janeiro, o nível mais alto em pelo menos 20 anos.
Portanto, Trevisan aponta que “os críticos da reforma são aqueles que estão pagando a conta desse aumento”.
O economista Roberto Luis Troster enfatiza que, apesar de vários indicadores positivos da economia, “os próximos passos são definições além de ajustar o mercado”.
“Ele vem fazendo um bom trabalho, mas tem que pensar o que vai fazer para a educação, que é a base do crescimento de um país. O que vai fazer para a saúde?”, indaga o economista.