As contas das estatais federais viraram um retrato da crise no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em apenas 12 meses, até julho, o prejuízo dessas empresas chegou a R$ 8,83 bilhões — um aumento de quase 25% em relação ao rombo já recorde de 2023, de R$ 6,73 bilhões. É o pior resultado desde o início da série histórica do Banco Central, em 2002.
O contraste com os anos anteriores é evidente. Em 2019, durante o governo Bolsonaro (PL), o saldo foi positivo em R$ 10,29 bilhões. O último superávit, de R$ 4,75 bilhões, também foi registrado no fim daquela gestão, em 2022. A partir de 2023, a curva mudou de direção: os números passaram a se deteriorar mês após mês.
O Planalto sustenta que os déficits são fruto de investimentos estratégicos. A ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, argumenta que os aportes não podem ser tratados como prejuízo, já que financiam projetos de longo prazo. Economistas, no entanto, contestam.
“Esse déficit era, de certa forma, esperado por quem não comprou a narrativa do governo”, avalia João Pedro Paes Leme, da Tendências Consultoria. “Os investimentos podem até ter pesado no início, mas agora o problema é estrutural. São empresas que não conseguem competir, acumulam dívidas e geram rombos orçamentários.”
O analista Murilo Viana vai além:
“Apesar de o investimento ter crescido, isso não explica os números. O que pesa é a má gestão, o aparelhamento político e o uso de estatais como canal para desvio de recursos públicos. Basta lembrar o papel da Codevasf nas emendas parlamentares.”
A falta de transparência só agrava a situação. Até o fim de 2022, o Boletim das Empresas Estatais era divulgado a cada três meses. Em 2023, já sob Lula, a publicação deixou de ser feita e os dados passaram a ser apenas anuais, dificultando o acompanhamento detalhado de onde vêm os prejuízos.
Correios no olho do furacão
Entre todas as estatais, os Correios são hoje o caso mais grave. No primeiro semestre de 2025, a estatal registrou prejuízo de R$ 4,37 bilhões, mais que o triplo do ano anterior. Só no segundo trimestre, o rombo foi de R$ 2,64 bilhões, quase cinco vezes maior que em 2024.
O buraco ameaça comprometer o caixa da empresa já no fim de 2025, colocando em risco o pagamento de salários e despesas básicas. Segundo a própria estatal, as perdas se devem a sentenças judiciais, passivos do fundo de pensão Postalis e queda nas receitas após a criação do programa Remessa Conforme, que simplificou importações e reduziu a fatia de mercado dos Correios.
“Se o Tesouro tiver que cobrir esse déficit, o quadro fiscal do país, que já é frágil, tende a piorar ainda mais”, alerta Viana.
Privatização volta ao centro da pauta
A crise reacendeu o debate sobre privatização. O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, chegou a pedir demissão em julho, mas a saída não foi formalizada. A escolha do sucessor virou alvo de disputa política entre partidos da base governista, enquanto a empresa afunda.
Paes Leme lembra que, em outros momentos, o Tesouro já socorreu estatais, mas nunca em uma situação tão grave:
“Cobrir folha salarial com dinheiro público não é normal. Isso revela um colapso de gestão.”
Para João Mario de França, pesquisador do FGV Ibre, é hora de discutir com clareza o papel dessas empresas:
“Algumas estatais custam muito caro e entregam pouco em retorno social. A sociedade precisa decidir se vale a pena mantê-las sob controle estatal.”