Houve um tempo em que as milícias agiam de maneira discreta, sendo vistas como uma “justiça paralela” que supria o abandono social causado pela ineficácia do Estado em políticas públicas. Contudo, essa realidade mudou. Hoje, essas organizações operam com uma audácia alarmante, exibindo sua crescente influência no meio criminoso e nos poderes em diversas regiões do Brasil.
Entre os nomes de destaque no Espírito Santo, está o de Gilbert Wagner Antunes Lopes, conhecido como Waguinho, um homem que manipula a narrativa de justiceiro para esconder sua verdadeira face: a de um perigoso miliciano.
Em maio de 2010, uma série de atos violentos trouxe Waguinho ao centro das atenções. De acordo com o jornal Metrópoles, ele foi acusado de disparar contra um usuário de drogas e, semanas depois, agredi-lo brutalmente com uma coronhada, levando a vítima a uma cirurgia de emergência. Este episódio é apenas um fragmento da vasta ficha criminal de Waguinho, revelando um padrão de comportamento que aterroriza a cidade de Presidente Kennedy e seus arredores.
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) foi claro em suas denúncias: Waguinho é parte de uma “verdadeira milícia” que, sob o pretexto de promover segurança, impõe um regime de violência e extermínio. Esse modus operandi não é novidade no cenário nacional, e pode ser comparado às práticas de milicianos famosos como o ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, e Wellington da Silva Braga, o Ecko, figuras que transformaram o Rio de Janeiro em um campo de batalha.
No caso de Waguinho, a estratégia de se disfarçar de justiceiro e a falsa atuação na segurança comunitária sempre foram ações muito bem arquitetadas. Relatórios do Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo mostram que Waguinho, na verdade, foi o responsável por trazer grupos de extermínio cariocas para o Estado capixaba, especificamente para a cidade Marataízes.
A inspiração no grupo “Liga da Justiça”, e seu famoso apelido de Waguinho Batman, é mais uma demonstração de como o seu personagem foi bem pensado. A diferença é que, na trama, o verdadeiro Batman e sua Liga da Justiça são heróis que combatem o crime, enquanto Waguinho usava essa fachada para expandir suas atividades criminosas e consolidar seu poder por meio da violência armada.
Gilbert Wagner não apenas cometeu crimes contra a vida, mas também se envolveu em uma rede de ilegalidades que inclui a comercialização de veículos alienados e armas de fogo, além de arrombamentos de bancos e falsificação de documentos. Segundo a polícia, sua influência se estende a municípios vizinhos como Itapemirim e Marataízes, onde sua rede criminosa se desenvolve. A morte do vereador Marquinhos da Cooperativa em Presidente Kennedy, em maio de 2021, é um exemplo da brutalidade de Waguinho. As investigações apontam que a execução do parlamentar foi ordenada pelo miliciano e a motivação estaria relacionada a uma dívida que o mandante do crime tinha com o vereador.
Curiosamente, em 2012, Waguinho conseguiu um cargo público de destaque, sendo nomeado secretário municipal de Serviços Urbanos em Marataízes, durante a gestão do médico Jander Nunes Vidal. Apesar de seu histórico criminoso, ele foi reverenciado por servidores da pasta ao final do mandato, em 2016.
Ao se tornar parte do sistema político e administrativo, milicianos como ele não apenas fortalecem seu controle sobre as áreas onde atuam, mas também validam suas ações aos olhos da população, escondendo seu desprezo pela lei e pela vida humana. Essa dualidade – de prestadores de serviços e praticantes de violência – torna a luta contra as milícias mais difícil, já que suas falsas boas ações criam uma rede de apoio que dificulta o seu combate e torna impossível a erradicação.
Outro fato que demonstra forte manipulação de Waguinho nessa trama é a atuação do Comando da Aeronáutica, que o admitiu com base no princípio da “boa-fé administrativa”. Wagner teria apresentado documentos falsos e omitido os processos em que é réu na Justiça. Esses fatos passaram “despercebidos” pelas autoridades da Força, permitindo que o miliciano permanecesse empregado por quase dois anos. Porém, o fato curioso dessa história é que uma simples pesquisa no Google poderia ter revelado seu o histórico criminoso, evidenciando uma negligência no processo de admissão.
Com essas informações, é de se concluir que a verdadeira face de Waguinho Batman é de um homem perigoso, que se apresenta como salvador enquanto espalha medo e morte. Seu histórico criminoso é um alerta para a necessidade de uma resposta firme das autoridades. O litoral sul capixaba não pode se tornar um quintal que replica a violência miliciana que há anos aterroriza o Rio de Janeiro. Já a sociedade capixaba não pode se dar ao luxo de ignorar os sinais: a milícia, sob qualquer disfarce, é uma ameaça real e presente que deve ser combatida com toda a força do estado e da lei.